segunda-feira, 30 de junho de 2008

Beleza Monstruosa

Sobre a Beleza
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Adjectivos como organizado, estável, integrado, claridade formal, belo, brilhante, ornamental, precioso, têm sido usados frequentemente por teóricos e filósofos, na apreciação de objectos, naturais ou não. “Belo” é, entretanto, aquele que mais tem recebido o ênfase dos filósofos desde os tempos de Platão.

Alguns filósofos, seguindo Kant, têm identificado julgamentos estéticos puros com critérios de beleza. Independentemente de que julgamentos de beleza “sejam julgamentos de gosto”, o que os torna essencialmente subjectivos e, portanto, não possa existir o que se poderia chamar “um padrão de gosto”, é sempre interessante retornar às diferentes teorias da Beleza.
Para Kant, a Beleza é uma questão de gosto, pois gosto é “a faculdade de julgar o belo”.
Independentes de conceitos, esses julgamentos seriam o que ele chama de “estéticos”, opostos a “julgamentos lógicos”, os quais seriam “julgamentos objectivos”, que atribuiriam determinadas propriedades aos objectos. Os “julgamentos estéticos” seriam subjectivos, cuja base determinante seria o prazer ou a dor, satisfação ou insatisfação que proporcionam. E, para ser um “julgamento estético puro”, afirma ainda Kant, este precisa ser, antes de tudo “desinteressado”. Sendo que desinteressado é aquele prazer que qualquer pessoa pode ser capaz de sentir; então, quando se diz que algo é “belo”, ele reitera, se fala com “uma voz universal”.

Poder-se-á dizer que, no aspecto subjectivo, chamamos “belo” àquilo que nos fornece uma determinada forma de prazer. No aspecto objectivo, dizemos que é “belo” algo absolutamente perfeito. A perfeição absoluta também nos causa uma espécie de prazer, mas é apenas a concepção subjectiva diferentemente expressada.

O Belo clássico grego tinha exigências bem precisas quanto às proporções e quanto às relações das proporções entre a parte e o todo. Aplicadas à construção da figura humana, essas regras referiam-se mesmo à idade em que a figura era representada (nem velho, nem criança), bem como à postura e atitudes, pois nada poderia perturbar a “harmonia total”, o “perfeito equilíbrio”, denominado sofrosine. Este perfeito equilíbrio era observado tanto no que respeita à forma com as suas proporções perfeitas de acordo com os cânones prescritos, o absoluto domínio técnico, como no que respeita à representação do domínio emocional do representado. No período clássico grego as emoções não eram representadas, pois romperiam a serenidade ideal.

No renascimento voltamos a encontrar a preocupação com a representação da Beleza em grandes artistas e teóricos, evidenciando a procura por uma definição formal da beleza e as regras para alcançá-la. Artistas obcecados pela matemática, aplicam-na na construção de suas obras. Nesta altura também se assiste ao inicio da elaboração matemática das figuras, embora reconhecendo-se que as leis da proporção permitem apenas aproximar-se à “beleza”, pois somente a inteligência divina poderia conhecer a perfeição absoluta.

“Sublime” e “belo”, poderiam também descrever momentos da história do gosto, pois muitas gerações foram persuadidas pela ideia de que a arte era um legado da Grécia, ideia esta que teve uma enorme influência no pensamento estético.

Mas quem fundamenta todo o pensamento filosófico do ocidente sobre a tripla atracção exercida sobre a alma humana pela verdade, a beleza e o bem é, sem dúvida, Platão. Exaltando a “ideia do belo”, Platão não afirma que ele seja a essência da arte, mas ao contrário, que a beleza absoluta não poderia estar senão nas figuras geométricas, nas cores e nos sons puros: a beleza é uma abstracção. Para ele a obra de arte não é senão um simulacro, uma imitação da realidade ideal, o que seria condenável do ponto de vista ontológico.
Platão, identificando a prática da arte com a criação de aparências, propõe uma poderosa e devastadora metáfora, que aponta para a inércia e a fraqueza da arte como instrumento de conhecimento.

Aristóteles, entretanto, objectiva a ideia de Platão, considerando que na obra de arte pode ser distinguido o prazer estético do prazer sensual...

O fractal no mundo e o mundo com fractais
.Num salto de alguns milhares de anos, quando a tecnologia e as máquinas tornam-se agentes de instauração estética, pensemos a geometria fractal como objecto de consideração e reflexão sobre a beleza. Nos nossos anos 80, uma exposição organizada por dois alemães, intitulada The Beauty of Fractals, percorria a Europa e encantava o olho contemporâneo, com os objectos fractais obtidos por meio de computador e que revelavam a beleza fascinante destas formas, desses “polígonos teragonicos” (com elevadíssimo número de lados).

Numa época em que nos deparamos com imagens sem referenciais (o fractal é de uma auto-referenciação inata), que provém de uma origem numérica, de simulações matemáticas, que são uma série de operações fundamentalmente digitais, o nosso universo de indagações e investigações vê-se projectado em considerações complexas e instigantes, de uma ética e ecologia do domínio da imagem electrónica, um universo inebriante construído de luzes, cores, sons ainda por decifrar.

Numa sociedade da imagem, como a que vivemos, num universo constituído de ficção e imagens, é evidente que a imagem tecnológica e os meios de comunicação de massa são criadores de um pseudo-ambiente, de uma pseudo-realidade, sinteticamente gerada.

Entretanto há quem se debruce sobre o tema do simulacro como o espaço do signo que dissolve o original, que cria o ícone artificial, que destrói a referenciação ontológica da realidade. Assim o virtual transforma a noção de mundo e apaga a imagem que dele fazemos colocando-nos face a face com um cosmo sem referências. E há quem diga que “a geometria fractal, desenvolvida e sistematizada pelo francês Benoit Mandelbrot, traz à luz processos não lineares e intradimensionais que abalam todo o edifício do sistema euclidiano” e que a noção de “objecto fractal foi criada por B. Mandelbrot a partir do adjectivo latino “fractus”,, que significa irregular e interrupto”, e “... a geometria fractal é caracterizada pela relação entre a escolha de problemas no seio do caos da natureza e a escolha dos instrumentos no seio das matemáticas”.

É surpreendente como pesados e complexos cálculos matemáticos, só possíveis com o uso de computadores, tenha sido a solução encontrada para a representação das formas da natureza, que aparentemente nada tem a ver com fórmulas matemáticas, e que pudesse haver uma ordem no caos, “uma ordem da desordem”.
Pode-se-á considerar que o pensamento filosófico e científico ocidental tem sempre se confrontado com duas noções opostas: a de ordem, regra, cosmo, perfeição e a de desordem, caos, irregularidade, imperfeição etc.
Mandelbrot, observa que os objectos fractais (ele postula um plural irregular para o substantivo fractal), levam-nos a travar conhecimento com problemas científicos antigos, belos e difíceis e “... com matemáticas belas em si mesmas”.
O interesse estético suscitado pelas formas fractais parece indicar a existência de “uma estética matemática”, a qual Mandelbrot confessa temer que possa ter apenas um valor estético ou até mesmo apenas “cosmético”.

De uma maneira geral, um “... objecto fractal é qualquer coisa cuja forma seja extremamente irregular, extremamente interrompida ou descontínua...”, “...um objecto físico (natural ou artificial), que mostra intuitivamente uma forma fractal”.

As formas fractais são frequentes na natureza, como a do recorte de uma costa, o perfil dos flocos de neve, os contornos de um rio ou de uma nuvem, etc.. Sempre se considerou a forma desses objectos como não previsível, descritível ou calculável, devida ao acaso, de acordo com as noções da geometria euclidiana tradicional, que não pareciam suficientemente adequadas para tais formas, especialmente por não contemplarem as dimensões fraccionadas do número. Na verdade Mandelbrot não cria, mas reformula uma teoria geométrica que se adapta à descrição dos objectos fractais. Tais formas, pela sua estranha e irregular configuração, apresentam-se como objectos diferentes, causadores de inquietação e surpresa, gerando ao mesmo tempo admiração e desconforto visual.

Acostumamo-nos a pensar na dimensão em termos de unidade: zero para o ponto, um para a linha, dois para a superfície e três para o volume. E, assim, a exigência de dimensões não inteiras, correspondente a fracções, seria um caso de “monstruosidade” geométrica: as dimensões fractais.

Poder-se-á dizer que fractais são, portanto, “...monstros particulares, de elevadíssima fragmentação figurativa, monstros dotados de ritmo e repetitividade escalar, não obstante a irregularidade, monstros cuja forma se deve ao acaso, mas só como variável equiprovável de um sistema ordenado”.
A teratologia, ou ciência dos monstros, por outro lado, funda-se no princípio da “desmesura”.

Ao descrever monstros sempre referimos que são excedentes ou excessivos, com dimensões enormes ou diminutas: gigantes, centauros, anões, gnomos, etc., que lhe faltam partes ou tem apêndices gratuitos, como os gastópodes, isquiópodes, etc.. A perfeição natural parece tender para a medida média e tudo o que se apresenta como ultrapassando os seus limites é “imperfeito”, “monstruoso”.

Na mitologia clássica, por exemplo, o Minotauro e a Esfinge, protótipos de monstros, são ao mesmo tempo seres maravilhosos, amedrontadores e enigmáticos. Simultaneamente fazem-nos experimentar fascínio e pavor.

Contemplando uma figura fractal podemos nos surpreender, encantados com sua estrutura e colorido, e, ao mesmo tempo, experimentar uma inquietação da mente, pela sua complexidade incompreensível, pelo seu desenvolvimento irregular e imprevisível, obrigando a um reajuste de nossa perspectiva e do julgamento e percepção do olho, para nos situarmos frente a um diferente, instável e… angustiante fenómeno visual.
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segunda-feira, 23 de junho de 2008

Viagem fractal

Hoje trago uma partilha...Apenas para desanuviar...Para refrescar a alma...

Este video é uma verdadeira obra de arte fractal, elaborada pelo senhor Thomas Williams, cuja fantástica criatividade pode ser vista aqui.

Sem palavras, sem sentimentos, vale a pena ver e ouvir, esvaziando a cabela e o coração...Sentir-se-à PAZ nesta verdadeira "viagem fractal"!



;O)

quarta-feira, 18 de junho de 2008

De sonhos, prazeres e realidades...

Se um Deus nos dissesse: Tenho o poder de fazer-te dormir e sonhar eternamente sonhos felizes. A escolha é tua: ou ficar acordado, mortal e infeliz, ou adormecido, imortal e feliz, o que escolheríamos? Se o ser humano procurasse apenas o prazer, se tudo se movesse pelo princípio do prazer, não há dúvida que deveríamos escolher o sonho. Contudo, experimentamos uma resistência, repugna-nos o adormecimento, parece-nos que a felicidade, no sonho, não é uma verdadeira felicidade, mas quase um sucedâneo. Não é próprio do homem ser feliz em sonho, queremos sê-lo acordados, na vida real. Mas que diferença faria para nós? Quando sonhamos não sabemos que sonhamos, a vida do sonho é subjectivamente real. Uma vez adormecidos não podemos comparar. Mas é precisamente isso que nos perturba, o facto de não podemos acordar: isto é, de reconhecer o sonho como sonho, de distinguir a ilusão da realidade. Há decerto momentos na nossa vida em que aceitaríamos a proposta do deus, nos momentos de dor, de tensão insuportável, ou quando nos atormenta o sofrimento físico. Estão gostaríamos de não ouvir mais nada, ou esquecer, e estaríamos dispostos a trocar a nossa pobre consciência por um sonho sereno. Algumas vezes estamos tão desesperados que desejaríamos mesmo a morte. Mas, salvo, estes períodos terríveis, há qualquer coisa que nos leva a estar conscientes. A nossa escolha vai instintivamente para a consciência. E os pontos mais altos da vida são também os momentos de mais alta consciência. O sono e o sonho podem ser um refúgio, um remédio, mas não um objectivo...

Porque é um sono, porque a felicidade assim obtida não tem nada a ver com um confronto com a realidade. Mas então na nossa ideia de felicidade está implícito um confronto com o mundo real, uma acção nesse mundo. No sonho, mesmo que seja um sonho de beatitude, falta algo essencial: o confronto com a realidade, confronto com aquilo que se é e aquilo que se poderia e gostaria de ser: a liberdade. No sonho nós somos totalmente determinados pelo fluxo do sonho. Ainda que tomemos decisões, estas não são decisões reais, não determinam nenhuma consequência, porque no sonho não há nem causa nem efeito, não há acção livre. No sonho falta-nos a consciência do sonhar que só pode manifestar-se através do confronto com outro estado, a vigília. Mas, sobretudo, no sonho, faltando o real, falta-nos o possível e, por conseguinte, a autodeterminação...

Por isso a felicidade está ligada à incerteza, ao risco, ao pedir sem a certeza absoluta de que chegue o sim, porque o outro deve ser totalmente espontâneo e livre e, por isso, totalmente imprevisível. Como está longe do sonho esta situação! Na vida real a felicidade parece-nos continuamente suspensa sobre o abismo do improvável; existe precisamente porque não temos certezas; nasce do encontro do meu desejo com a realidade, mas uma realidade que tem a minha própria natureza: espontânea e livre. Claro que nós procuramos o prazer. Porém, o prazer não pode ser assegurado antecipadamente, surge-nos como graça, como milagre, como algo a mais...

“Em todos nós, no mais profundo da alma, há uma subterrânea inquietação, o desejo daquilo que parece sempre escapar-nos, a dor por qualquer coisa que não sabemos bem o que seja. Até quando estamos apaixonados e somos correspondidos, no momento em que nos vamos embora ou o nosso amado parte, mesmo numa seperação breve, aquele sofrimento profundo reaparece. Por vezes reaparece até num momento de felicidade porque aquela felicidade se nos revela fugaz. Nós olhamos para o céu, um pequeno pedaço de céu azul, como que para concentrar nele toda a nossa felicidade e sentimos tristeza porque poderemos recordar aquele céu mas não podemos prolongar esse instante. Experimentamos este sofrimento à noite, sem motivo, de manhã ao acordar sem saber porquê. A nossa alma está construída para desejar algo absoluto e, portanto, inefável e inacessível. Quando estamos ocupados não nos apercebemos disso (…) mas toda a nossa vontade está orientada para a meta e é ela que se ilumina com aquilo que procuramos sempre…”

Francesco Alberoni - “A árvore da vida”

sábado, 14 de junho de 2008

Amar-te-ei sempre!!!


"Se calhar sou doida, sofro da mais antiga enfermidade do ser humano e que ainda nenhum cientista se lembrou de diagnosticar, estudar e classificar como uma patologia: não sei viver sem amor. Preciso de amar e ser amada para viver sem me deixar engolir pela realidade, sem sentir que estou a lutar para me manter à tona.

Nietzsche, que tinha tanto de louco como de sábio, escreveu que a grandeza de um homem está em ser uma ponte e não uma meta. Mas ninguém consegue construir uma ponte sozinho, nem carregar um piano, nem mudar uma casa, por isso aprendi algo mais difícil: aprendi a ficar quieta quando aquilo que mais quero e desejo não depende só de mim. E com essa nova e preciosa lição veio a paz, a tranquilidade, a harmonia dos dias sossegados e das noites de sono
profundo. Aprendi muito contigo, com certeza mais do que possas imaginar. Aprendi com os meus erros, porque é quando se perde que a lição é mais importante. Devia ter ficado quieta mais vezes, devia ter respeitado o teu silêncio e o teu espaço, deixar-te em paz em vez de te pedir o mundo, porque iria sempre amar-te, estivesses ou não ao meu lado, porque fazes parte de mim, mesmo sem saber se és a primeira ou a última peça do meu dominó, mesmo sem saber se o vais pôr de pé ou deitá-lo abaixo.O amor tem o seu próprio mistério, tentar desvendá-lo é um erro, tentar apressá-lo um crime.

O amor é mesmo assim: damos aos outros o nosso melhor sem sequer o saber. E tudo o que damos nunca se perde, nada se perde, apenas se transforma e se guarda numa caixa que só o futuro conhece e desvenda.

Quando se ama alguém, tem-se sempre tempo para essa pessoa. E se ela não vem ter connosco, nós esperamos. O verbo esperar torna-se tão imperativo como o verbo respirar. A vida transforma-se numa estação de comboios e o vento anuncia-nos a chegada antes do alcance do olhar. O amor na espera ensina-nos a ver o futuro, a desejá-lo, a organizar tudo para que ele seja possível. É mais fácil esperar do que desistir. É mais fácil desejar do que esquecer. É mais fácil sonhar do que perder. E para quem vive a sonhar, é muito mais fácil viver.”

Margarida Rebelo Pinto - “Diário da tua ausência”

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Oceano Fractal


De repente nada à minha volta tem solidez, nada mais tem consistência, eu já não posso falar de coisa alguma como sendo real. Experiência sensorial muito diferente de tudo o que já vivi. Não é a calma ou o alvoroço, não é a fragmentação ou a unidade, não é a serenidade ou a angústia, não são trevas nem luzes, não é o vazio ou o cheio. De repente é o oceano, um oceano fractal, as ondas são formas geométricas, ângulos enormes que se erguem sobre mim e que reflectem e multiplicam as imagens como espelhos. Eu vejo-me por toda parte, aos pedaços, deformada, a pensar, a gritar, a rir, a chorar, fustigada pela ideia insana de que eu já não sei quem sou. E então descubro que o vazio também não existe. E que no lugar dele existo eu. E então vejo que o oceano também não existe. E que no lugar dele existem os outros..., outras …coisas…inenarráveis… É a viagem mais perigosa e mais dolorosa que já empreendi pelos caminhos da minha imaginação. Nunca senti tanto medo, tanta angústia e tanta confusão em toda a minha vida. E de repente passa (será ?!), como uma onda, uma onda das grandes, agora só ouiço o ruído distante dela quebrando-se na beira da praia. Estou ainda em alto-mar? Sim, é aqui que eu vivo e é para o infinito (seja ele o que for) que me dirijo.